Não há atividade melhor que a pescaria para nos desafiar a resolver problemas que surgem inesperadamente. Seja um esquecimento de algum material, de um tempero ou de um agasalho.
Em uma tarde no início de Setembro, não lembro o ano, saímos em uma turma de seis ou sete intrépidos pescadores com média de idade de dezesseis ou dezessete anos, com dois mais velhos e mais experientes. Fomos a pé da cidade de Ijuí até o balneário do Watzlawic, um descendente de polonês que acredito ser um precursor do turismo rural. No verão alugava uma área de acampamento para o pessoal ficar junto à natureza e se refrescar no rio Potiribú ou da Ponte. Permitia também, pescarias. Este local fica aproximadamente a três km da cidade e para nós, gurizada, era um pulinho.
Pois bem, levamos as tralhas para a pesca, alguns pães e um corte de picanha (naquele tempo, o traseiro era "fatiado" com osso e não separado por cortes específicos) mais ou menos de cinco cm. Espetos não levamos, qualquer pedaço de bambu ou um galho mais ou menos reto de pitangueira, serviria como. Há época pouco se usava o carvão de lenha para churrasco, era lenha mesmo.
Da pescaria, lembro que por causa do frio, nem lambari beliscava as minhoquinhas. Sem lambaris não havia isca para peixes maiores e esses não estavam nem aí para nós. Como se dizia, ficamos sapateiros ou chupando o dedo.
A noite foi se aproximando e o frio aumentando, de tal forma que nos reunimos em torno de uma fogueira para decidir o que faríamos. Cachaça para lá conversa para cá, decidimos que não iria dar nada de peixes e só iríamos passar frio. Vamos para casa. Mas e a carne? Levamos e assamos na casa do fulano. Isso decidido e isso feito. Pegamos o caminho de volta. Num cenário surreal: o nevoeiro, ao qual chamávamos de cerração, espesso dava quase para cortar com a faca e ao mesmo tempo uma lua cheia que não víamos, mas que iluminava nosso caminho.
Com toda a movimentação da pescaria, a caminhada de ida e a de volta, a fome começou a rondar os estômagos jovens, que por serem jovens mais fome tinham. Um se lamuriou: olha estou ficando com fome! Outro eu almocei pouco! Logo todos estavam uníssonos: vamos parar e fazer essa carne e come-la com pão.
Começaram os problemas. Até onde a vista alcançava, não havia um matinho sequer. Não teríamos lenha e tampouco espeto. Pensa dali, conversa daqui um dos mais velhos falou, lenha não é problema. Essa roça era de mandioca e está cheia de soquete que é rama da mandioca plantada da onde sai os brotos e as raízes.
Vamos juntar o mais que pudermos. Em seguida tínhamos um fogo esperto e um braseiro intenso. Achamos uma tábua também e quando íamos coloca-la no fogo, o que estava comandando gritou "não, essa é a nossa mesa!" Isso dito, temperou o naco de carne com o sal, abriu a fogueira de brasas e deitou sobre ela o nosso churrasco. Foi uma gritaria: "vamos comer carvão!", "eu falei para não beber tanto!","passou a fome!". Ele continuou tranquilo como quem sabia o que fazia. E sabia. Depois de virar três ou quatro vezes reavivando as brasas, espetou o naco de carne com a faca, deitou sobre a tábua e lentamente foi descascando-a, tirando a carne queimada. Fatiou e falou podem comer seus loucos de fome!
Pois bem, estava assada no ponto, macia, suculenta e com um sabor inigualável. Colocávamos os pedaços no meio dos pães e comíamos avidamente.
A primeira vista podem achar que os elogios ficam por conta da fome que sentíamos, mas repeti esse assado em uma ocasião no Sítio dos Carvalhos quando estava sozinho e depois com minha família e o resultado foi o mesmo: excelente!